sexta-feira, 18 de maio de 2012

Evolução e seus equívocos (II)

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Evoluídos ou adaptados: o equívoco da pretensão

Na última postagem, o blog discorreu sobre um equívoco muito comum quando o tema é evolução humana: a ideia enganosa de que o homem “veio do macaco”. A certa altura do texto, o uso da expressão “maior complexidade das características humanas” em vez de “características humanas mais evoluídas” para comparar humanos e símios não é casual, tampouco mera pretensão retórica. Chamar uma espécie de mais ou menos evoluída que outra é uma imprecisão. Duas espécies são, apesar da maior ou menor complexidade de características, apenas diferentes. Por exemplo, se fosse correto afirmar que “o macaco não é tão evoluído quanto nós por não ter cérebro desenvolvido” seria também correto dizer “que não somos tão evoluídos quanto os elefantes porque não temos tromba”.

A rigor, definir uma espécie como mais “evoluída” que outra não é sequer possível. Além da carga de subjetividade do conceito “evoluído”, é necessário levar em conta a alta complexidade da própria Evolução: longe de ser linear, ou ascendente, ou com "degraus evolutivos", o processo é ramificado e intrincado como os ramos da árvore mais frondosa. O que se costuma fazer – e, perceba, quem “faz” é sempre o ser humano – é eleger uma característica que nos pareça mais interessante, mais “familiar”, para escalonar as espécies naturais dentro de uma pseudo-hierarquia evolutiva.

Para ilustrar, tomemos dois exemplos: o ornitorrinco, um mamífero da Ordem Monotremata, e a samambaia, uma planta da Divisão Pteridophyta.

O ornitorrinco (do grego "focinho de ave"), animalzinho meio pato meio castor que vive na Oceania, é um mamífero muito primitivo. Nessa espécie, diferentemente dos mamíferos ditos “mais evoluídos”, não há os aparatos necessários para gestar e amamentar filhotes. O ornitorrinco (bem como a equidna, único outro representante da Ordem dos monotremados) é um mamífero que não engravida, mas põe ovos; e cujos filhotes não mamam, mas lambem o leite que brota da pele da mãe.

Todavia, há uma característica que representa um significativo avanço evolutivo para esses animais. Seu famoso “bico" é usado para sondar o fundo lamacento de pântanos e lagos e detectar a mais leve emissão de campo elétrico gerado por presas em potencial. O ornitorrinco seria, portanto, a se tomar como referência o critério do “bico sensorial”, o animal “mais evoluído” da face da Terra.

Mas, se é dotado de um avanço tão notável, por que o animal manteve outras características tão primitivas? A resposta é simples: a forma primitiva se manteve estável porque não precisou se modificar. O antepassado do ornitorrinco se adaptou tão bem ao seu meio ambiente, ainda que com estruturas reprodutivas “pouco evoluídas”, mas com uma estratégia de caça “muito evoluída”, que pouco precisou se modificar ao longo de milhões anos.

E a samambaia, essa plantinha decorativa hoje tão comum nas casas quanto era nas florestas de... 300 milhões de anos de atrás!? Mas, antes de revelar o quanto a samambaia pode ser “evoluída”, uma questão preliminar: "Por que é tão comum pensar que os animais são mais evoluídos que os vegetais?" Não por outra razão senão pelo fato de que os animais são mais próximos da “espécie ideal”, o ser humano – claro, “ideal” para nós, seres humanos. Se tomarmos a eficiência como critério para nortear o conceito de evolução, são os vegetais os mais evoluídos, pelo menos no aspecto da nutrição. Vegetais não precisam caçar, coletar, plantar ou colher, tampouco se sujeitar aos riscos e ao gasto de energia que essas atividades representam. Vegetais produzem com uma eficiência inigualável o próprio alimento. E sem fadiga, sem dor, sem sofrimento... Mas, voltando à samambaia, que não produz sementes nem frutos nem flores como suas primas distantes, as angiospermas, e que está aí pelo planeta há pelo menos 300 milhões de anos. Se o critério escolhido para reger o conceito de evolução for a sobrevivência, a samambaia não é um sucesso?..

Para se ter, portanto, uma noção comparativa entre a evolução de duas espécies, ou de dois grupos, em vez de se usar a expressão “mais evoluída”, é preferível utilizar “mais adaptada”. E em termos de adaptação, aliás, nós, os primatas, somos um fracasso se comparados, por exemplo, aos insetos. Insetos representam dois terços do total de espécies de animais descritas. Seus atributos – a produção de milhões de ovos, o tamanho reduzido, o voo, a metamorfose... – permitiram que eles se espalhassem por todo o planeta sob a forma de mais de um milhão de espécies. E aí estão eles até hoje.

Evoluídos, todos nós seres vivos somos. Desde a mais simples bactéria – que está por aí há mais de um bilhão de anos! – até o recentíssimo Homo sapiens – que existe como espécie apenas há cerca de 100 mil anos (datação controversa: há os que defendem 200 mil e os que admitem 50 mil) – cada ser vivo tem a sua própria história natural. Ao longo dessa história, e pelos auspícios da evolução biológica, cada espécie é provida de estruturas mais ou menos complexas. A chave é a adaptação ao ambiente, cujo maior ou menor sucesso definirá seu tempo de permanência aqui, neste “pálido ponto azul”.

Aliás, tomando nosso atributo exclusivo, a capacidade de raciocínio lógico-matemático, que nos coloca em posição de destaque em relação aos demais seres vivos – não porque somos “mais evoluídos”, mas pelo sucesso adaptativo decorrente desse atributo – algumas questões podem ser suscitadas: (notem-se bem as perguntas que não se referem ao “indivíduo”, mas à “espécie”)

- Somos, de fato, a “espécie dominante” do planeta?

- Seremos bem sucedidos como a samambaia, o tubarão ou o crocodilo em termos de sobrevivência da espécie?

- O raciocínio lógico-matemático, decorrente do desenvolvimento exagerado, quase aberrante, do córtex cerebral humano, é realmente vantajoso para a espécie?...

...mas esse é um assunto para a próxima postagem.

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